"Contar
histórias é uma das mais belas ocupações humanas..."
Eça de Queirós
O homem sem sorte
"Vivia
perto de uma aldeia um homem, um homem que era completamente sem sorte. Nada do
que ele fazia dava certo. Muitas vezes ele plantava sementes e o vento vinha e
as levava, outras vezes, era a chuva, que vinha tão violenta e carregava as
sementes. Outras vezes ainda, as sementes permaneciam sob a terra, mas o sol,
era tão quente, que as cozinhava. E ele se queixava com as pessoas e as pessoas
escutavam suas queixas, da primeira vez com simpatia, depois com um certo
desconforto e enfim quando o viam mudavam de caminho, ou entravam para dentro
de suas casas fechando portas e janelas, evitando-o.
Então além
de sem sorte, o homem se tornou chato e muito só. Ele começou a querer achar um
culpado para o que acontecia com ele. Analisando a situação de sua família
percebeu que seu pai era um homem de sorte, sua mãe, esta tinha sorte por ter
se casado com seu pai, e seus irmãos eram muito bem sucedidos, pois então, se
não era um caso genético, só poderia ser coisa do Criador. E depois de muito
pensar resolveu tomar uma atitude e ir até o fim do mundo falar com o Criador,
que como Criador de tudo, deveria ter uma resposta.
Arrumou
sua malinha, algum alimento e partiu rumo ao fim do mundo. Andou um dia, um
mês, um ano e um dia, e pouco antes de entrar numa grande floresta ouviu uma
voz:
– Moço, me
ajude. Ele então olhou para os lados procurando alguém. Até que se deparou com
um lobo, magro, quase sem pelos, era pele e osso o infeliz. Dava para contar
suas costelas.
Ele falou:
– Há três
meses estou nesta situação. Não sei o que está acontecendo comigo. Não tenho
forças para me levantar daqui.
O homem
refeito do susto respondeu:
– Você
está se queixando a toa… Eu tive azar a vida inteira. O que são três meses? Mas
faça como eu. Procure uma resposta. Eu estou indo procurar o Criador para
resolver o meu problema.
– Se eu
não tenho forças nem para ir ao rio beber água… Faça este favor para mim. Você
está indo vê-lo, pergunte o que está acontecendo comigo. O homem fez um sinal
de insatisfação e disse que estava muito preocupado com seu problema, mas se
lembrasse, perguntaria. Virando as costas, continuou seu caminho.
Andou um
dia, um mês, um ano e um dia e de repente, ao tropeçar numa raiz, ouviu:
– Moço,
cuidado. E quando olhou, viu uma folhinha que vinha caindo, caindo; Olhando
para cima, viu a árvore com apenas duas folhinhas.
Levantou-se
e observando suas raízes desenterradas, seus galhos retorcidos, sua casca
soltando-se do tronco, falou:
– Você não
se envergonha? Olhe as outras árvores a sua volta e diga se você pode ser
chamada de árvore? Conserte sua postura.
A árvore,
com uma voz de muita dor, disse:
– Não sei
o que está acontecendo comigo. Estou me sentindo tão doente. Há seis meses que
minhas folhas estão caindo, e agora, como vês, só restam duas… E, no fim de uma
conversa, pediu ao homem que procurasse uma solução com o Criador.
Contrariado,
o homem virou as costas com mais uma incumbência. Andou um dia, um mês, um ano
e um dia e chegou a um vale muito florido, com flores de todas as cores e
perfumes. Mas o homem não reparou nisto. Chegou até uma casa e na frente da
casa estava uma moça muito bonita que o convidou a entrar.
Eles
conversaram longamente e quando o homem deu por si já era madrugada. Ele se
levantou dizendo que não podia perder tempo e quando já estava saindo ela lhe
pediu um favor:
– Você que
vai procurar o Criador, podia perguntar uma coisa para mim? É que de vez em
quando sinto um vazio no peito, que não tem motivo, nem explicação. Gostaria de
saber o que é e o que posso fazer por isto.
O homem
prometeu que perguntaria e virou as costas e andou um dia, um mês, um ano e um
dia e chegou por fim ao fim do mundo. Sentou-se e ficou esperando até que ouviu
uma voz. E uma voz no fim do mundo, só podia ser a voz do criador…
– Tenho
muitos nomes. Chamam-me também de Criador…
E o homem
contou então toda a sua triste vida. Conversou longamente com a voz até que se
levantou e virando as costas foi saindo, quando a voz lhe perguntou:
– Você não
está se esquecendo de nada? Não ficou de saber respostas para uma árvore, para
um lobo e para uma jovem?
– Tem
razão… E voltou-se para ouvir o que tinha que ser dito.
Depois de
um tempinho virou-se e correu… mais rápido que o vento até que chegou na casa
da jovem. Como ela estava em frente à casa, vendo-o passar chamou:
– Ei!!!
Você conseguiu encontrar o Criador? Teve as respostas que queria?
– Sim!!!
Claro! O Criador disse que minha sorte está há muito no mundo. Basta ficar
alerta para perceber a hora de apanhá-la!
– E quanto
a mim, você teve a chance de fazer a minha pergunta?
– Ah! O
Criador disse que o que você sente é solidão. Assim que encontrar um
companheiro vai ser completamente feliz, e mais feliz ainda vai ser o seu
companheiro.
A jovem
então abriu um sorriso e perguntou ao homem se ele queria ser este companheiro.
– Claro
que não… Já trouxe a sua resposta… Não posso ficar aqui perdendo tempo com
você. Não foi para ficar aqui que fiz toda esta jornada. Adeus!!!
Virando as
costas, correu mais rápido do que a água, até a floresta onde estava a árvore.
Ele nem se lembrava dela.
Mas quando
novamente tropeçou em sua raiz, viu caindo uma última folhinha. Ela perguntou
se ele tinha uma resposta, ao que o homem respondeu:
– Tenho
muita pressa e vou ser breve, pois estou indo em busca de minha sorte, e ela
está no mundo.
O Criador
disse que você tem embaixo de suas raízes uma caixa de ferro cheia de moedas de
ouro. O ferro desta caixa está corroendo suas raízes. Se você cavar e tirar
este tesouro daí vai terminar todo o seu sofrimento e você vai poder virar uma
árvore saudável novamente.
– Por
favor!!! Faça isto por mim!!! Você pode ficar com o tesouro. Ele não serve para
mim. Eu só quero de novo minha força e energia. O homem deu um pulo e falou
indignado:
– Você
está me achando com cara de quê? Já trouxe a resposta para você. Agora resolva
o seu problema. O Criador falou que minha sorte está no mundo e eu não posso
perder tempo aqui conversando com você, muito menos sujando minhas mãos na
terra.
Virando as
costas correu, mais rápido do que a luz, atravessou a floresta, e chegou onde
estava o lobo, mais magro ainda e mais fraco.
O homem se
dirigiu a ele apressadamente e disse:
– O
Criador mandou lhe falar que você não está doente. O que você tem é fome. Está
a morrer de inanição, e como não tem forças mais para sair e caçar, vai morrer
aí mesmo. A não ser, que passe por aqui uma criatura bastante estúpida, e você
consiga comê-la.
Nesse
momento, os olhos do lobo se encheram de um brilho estranho, e reunindo o
restante de suas forças, o lobo deu um pulo e comeu o homem “sem sorte”."
História retirada daqui.
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