terça-feira, 20 de março de 2018

Hoje é dia das histórias e dos contadores de historias!


“Na antiga tradição oriental sufi, a sabedoria se aloja nas histórias. Quando uma pessoa enlouquecia,chamava-se um contador de histórias para curá-la. Histórias e mais histórias eram narradas ao louco até ele recuperar a capacidade de pensar o mundo’”

Heloísa Prieto, 1999


Hoje é o Dia Mundial da Narração Oral e nada melhor do que comemorar com uma história, uma história de António Torrado, "O cão e o gato" que, também, pode ser ouvida aqui.







O cão e o gato não eram amigos, mas faziam de conta. Viviam ambos abrigados no casebre de uma pobre velha, que com eles repartia o pouco que tinha.
– Sejam amiguinhos. Sejam amiguinhos – estava sempre ela a dizer-lhes.
Pela comida e dormida os dois incorrigíveis inimigos aturavam-se. Que remédio.
Um dia, a velhota morreu. Vieram os filhos, vieram os netos e enxotaram-nos do casebre.
Cão e gato, tristes por terem perdido a sua protetora e o mínimo de conforto que ela lhes proporcionava, ficaram a rondar a casa, mas cada um para seu lado. "Sejam amiguinhos. Sejam amiguinhos", ainda lhes soava nos ouvidos.
Choveu. Fazia frio. Tiritantes e cheios de fome, acolheram-se a uma gruta. Era uma gruta muito comprida, tão comprida que eles se internaram por ela adentro, à procura nem sabiam de quê.
Cada vez mais fundo, cada vez mais longe do mundo que conheciam, foram ter a uma clareira iluminada. No meio, sentado nas pernas cruzadas, estava o Génio das Cavernas.
– Que querem de mim? – perguntou-lhes o Génio.
A bem dizer, eles não queriam nada a não ser um dono, comida, calor, carinho. Foi o que pediram.
      – Concedido – disse-lhes o Génio. – Com uma única condição: cada um transforma-se no outro.
      Eles, a princípio, nem entendiam a proposta, mas quando perceberam que o gato tinha de passar a cão e o cão, a gato, protestaram com toda a gana.
           – Eu não quero ser cão – bufou o gato.
           – Eu não quero ser gato – rosnou o cão.
Nada feito. Ou aceitavam a troca ou acabariam por morrer, à fome e ao frio.
Lá se resignaram à mudança, já que a alternativa também não era nada apetecível.
O Génio executou a magia e o gato passou para a pele de cão e o cão para a pele de gato. Esquisito.
Correram ambos na direcção da entrada da gruta, ainda assarapantados.
      – Que cãozinho e que gatinho tão bonitos. Posso levá-los para casa? – perguntou uma menina ao pai.
           – Os cães e os gatos não se dão bem uns com os outros  – apressou-se a explicar o pai.
– Mas estes dão-se. Tão juntinhos. Tão amigos – disse a menina.
Era verdade. Cada um olhava para o outro como se fosse ele próprio. Ora, como é que uma pessoa ou um bicho pode dar-se mal com ele mesmo?
E assim o gato-cão e o cão-gato arranjaram uma nova dona. À noite, enroscados um no outro, não se sabe onde começa o cão e acaba o gato. Fizeram-se, realmente amigos.
Até pode acontecer que, um dia, o Génio das Cavernas lhes devolva as respectivas identidades e o cão volte a ser cão e o gato volte a ser gato. Mas valerá a pena?



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