Eu sou um livro
Eu sou um livro
cansado de tanto esperar
esquecido na prateleira da vida
sonhando ser escolhido,
favorito de alguém,
sentir o calor amoroso de umas mãos a me folhear,
descobrindo quem sou...
Já tenho folhas amarelecidas, de tanto ser esquecidas,
de não serem lidas, nem escritas por ninguém.
as estações do tempo foram passando carregadas de dor, solidão,
emprestando-me os seus lenços de assoar,
secando as lágrimas de cada adeus
no relógio apreçado da despedida ao seu passar.
Minhas páginas já um pouco amarrotadas,
escritas com a pena dos meus nadas,
falam de desamores, desprezo e desdita
desta minha existência lavrada de medo, solidão,
as linhas da minha mão se riscam de desilusão,
em linhas cruzadas do meu destino,
sem rumo neste meu caminho,
estrofes desbotadas, notas desafinadas sem melodia, sem canção
Murcham minhas flores, rosas, tulipas, orquídeas jasmim,
desfolham suas pétalas sequiosas, famintas no meu jardim,
neste livro onde me escrevo,
Me perco e elevo,
nas metáforas dos meus dias,
nas elipses, nas anáforas, acesas cenestesias,
onde me venho falar,
povoando de mim os meus dias.
Sou um livro cheio de nadas,
encadernado com as noites vazias,
gélidas madrugadas,
capas cozidas com trémulos dedos,
pintadas de saudade, onde guardo os meus segredos.
Sim, sou um livro,
com muito para contar,
histórias tão tristes, que fazem chorar,
mas também poemas de amor,
paixões em flor,
esmagadas pelos vendavais do meu terror.
Aqui me desnudo das penas e das máscaras,
dos sorrisos forçados, dos lamentos guardados,
estiletes afiados que me rasgam por dentro,
os sentidos escorrem sangrando num corte cruel,
cinzelando o meu ser,
esse grito aprisionado em mim,
que jorra como lava ardente para o papel.
Sim, eu sou um livro,
maldito, proibido, cheio de defeito,
marcado de marginalização, tão sem graça e arrepiante,
para quem olha, desdém e passa,
mas onde se iluminam pensamentos, se descartam os amantes,
se traçam sonhos, esperanças,
onde ainda bate humanamente um coração.
Adelina Santos
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