Muitas vezes, ou quase sempre, toma-se ler por contar e contar por ler,
como sendo sinónimos. Não é assim. Há
algumas diferenças entre ler e contar. Quem no-lo lembra é Aidan Chambers,
escritor e pedagogo norte-americano, no livro Queres que te conte um
conto? Um guia para narradores e contadores (edição em castelhano, de Banco
del Libro, Venezuela).
Vejamos então algumas das diferenças entre a narração de contos e a
leitura em voz alta:
Na narração de contos, prevalece a relação entre o narrador e o ouvinte,
como se fosse uma conversa, com um sentido e destinatário pessoal, na
medida em que quem conta dá algo de si àquele que escuta. Na leitura em
voz alta, ao invés, é o livro quem centra e objetiva a experiência. Neste
caso, a relação é a de duas pessoas que partilham algo que lhe é externo,
o livro. Não se trata de um contador e de um ouvinte olhando-se, mas de um
leitor e de um ouvinte, um ao lado do outro, olhando juntos para o livro.
Na leitura em voz alta, a comunicação estabelece-se por meio de palavras e
de imagens que provêm de alguém que não está presente, o autor, mas que
tem algo a dar-nos.
A narração de contos orienta-se para o emocionalmente dramático; a
leitura em voz alta para a contemplação reflexiva. A narração inclina-se para o
prazer duma diversão; a leitura em voz alta, para o gozo do
autorreconhecimento. A narração tende para o cabal, para o grupo exclusivo, limita-se
aos que escutam o contador. A leitura em voz alta tende para o mais além, para
o grupo inclusivo, cujos poderes se veem ampliados pelo texto e pela linguagem,
pelo pensamento de alguém que não está presente. A narração serve para
confirmar a cultura; a leitura em voz alta é geradora de cultura.
A narração de contos exige mais do contador, a leitura em voz alta exige
mais do ouvinte. A leitura em voz alta é uma comunicação menos direta entre o
leitor e o ouvinte, porque, na escrita, o significado é, habitualmente, mais
compacto, as frases estão construídas de uma forma mais densa do que na língua
falada. Acresce que, na leitura em voz alta, o leitor e o ouvinte devem ver as
palavras impressas para que possam captar os múltiplos sentidos. A forma como
as palavras se dispõem na página é, não raras vezes, importante para a sua
compreensão. Na narração de contos, o contador pode explicar e repetir,
abreviar ou ampliar, enfatizar esta ou aquela parte.
Quem lê em voz alta não pode adaptar-se ao ouvinte com tanta liberdade,
porque segue um texto autorizado, pelo que explicar ou mudar o texto pode
arruinar a experiência de leitura e desqualificar o texto. O ouvinte da leitura
em voz alta precisa de mais tempo para assimilar a a mensagem e compreender o
que está a ler-se, pelo que a leitura em voz alta deve ser mais lenta e menos
teatral. Por outro lado, uma vez que a fonte da leitura em voz alta é um texto
visível, aos leitores iniciais pode mostrar-se o livro enquanto escutam.
Posto isto, importa realçar que ler e contar, apesar de não serem
sinónimos nem equivalentes, podem
coexistir, em momentos distintos, no trabalho de educação literária e de
fruição da literatura. Ambos os modos reclamam um tempo exigente de preparação,
uma cuidada e adequada seleção de textos / contos e uma grande entrega pessoal
para que a audição de textos (contada ou lida) seja uma mais valia para a vida dos
pequenos leitores. (JMR)
Texto retirado daqui.
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