"Depois do alimento, do abrigo e da companhia, as histórias são a coisa de que mais precisamos na vida."
Philip Pullman
O elefante
acorrentado é uma história que faz parte
da obra "Deixa-me que te conte". de Jorge Bucay.
“— Não
consigo — disse-lhe. — Não consigo!
— Tens a
certeza? — perguntou-me ele.
— Tenho! O
que eu mais gostava era de conseguir sentar-me à frente dela e dizer-lhe o que
sinto… Mas sei que não sou capaz.
O gordo
sentou-se de pernas cruzadas à Buda, naqueles horríveis cadeirões azuis do seu
consultório. Sorriu, fitou-me olhos nos olhos e, baixando a voz como fazia
sempre que queria que o escutassem com atenção, disse-me:
— Deixa-me
que te conte…
E sem
esperar pela minha aprovação, o Jorge começou a contar.
Quando eu
era pequeno, adorava o circo e aquilo de que mais gostava eram os animais.
Cativava-me especialmente o elefante que, como vim a saber mais tarde, era
também o animal preferido dos outros miúdos. Durante o espectáculo, a enorme
criatura dava mostras de ter um peso, tamanho e força descomunais… Mas, depois
da sua actuação e pouco antes de voltar para os bastidores, o elefante ficava
sempre atado a uma pequena estaca cravada no solo, com uma corrente a
agrilhoar-lhe uma das suas patas.
No
entanto, a estaca não passava de um minúsculo pedaço de madeira enterrado uns
centímetros no solo. E, embora a corrente fosse grossa e pesada, parecia-me
óbvio que um animal capaz de arrancar uma árvore pela raiz, com toda a sua
força, facilmente se conseguiria libertar da estaca e fugir.
O mistério
continua a parecer-me evidente.O que é que o prende, então? Porque é que não
foge?
Quando eu
tinha cinco ou seis anos, ainda acreditava na sabedoria dos mais velhos. Um
dia, decidi questionar um professor, um padre e um tio sobre o mistério do
elefante. Um deles explicou-me que o elefante não fugia porque era amestrado.
Fiz,
então, a pergunta óbvia:
— Se é
amestrado, porque é que o acorrentam?
Não me
lembro de ter recebido uma resposta coerente. Com o passar do tempo, esqueci o
mistério do elefante e da estaca e só o recordava quando me cruzava com outras
pessoas que também já tinham feito essa pergunta.
Há uns
anos, descobri que, felizmente para mim, alguém fora tão inteligente e sábio
que encontrara a resposta:
O elefante
do circo não foge porque esteve atado a uma estaca desde que era muito, muito
pequeno.
Fechei os
olhos e imaginei o indefeso elefante recém-nascido preso à estaca. Tenho a certeza
de que naquela altura o elefantezinho puxou, esperneou e suou para se tentar
libertar. E, apesar dos seus esforços, não conseguiu, porque aquela estaca era
demasiado forte para ele.
Imaginei-o
a adormecer, cansado, e a tentar novamente no dia seguinte, e no outro, e no
outro… Até que, um dia, um dia terrível para a sua história, o animal aceitou a
sua impotência e resignou-se com o seu destino.
Esse
elefante enorme e poderoso, que vemos no circo, não foge porque, coitado, pensa
que não é capaz de o fazer.
Tem
gravada na memória a impotência que sentiu pouco depois de nascer.
E o pior é
que nunca mais tornou a questionar seriamente essa recordação.
Jamais,
jamais tentou pôr novamente à prova a sua força…
— E é
assim a vida, Damião. Todos somos um pouco como o elefante do circo: seguimos
pela vida fora atados a centenas de estacas que nos coarctam a liberdade.
Vivemos a
pensar que «não somos capazes» de fazer montes de coisas, simplesmente porque
uma vez, há muito tempo, quando éramos pequenos, tentámos e não conseguimos.
Fizemos,
então, o mesmo que o elefante e gravámos na nossa memória esta mensagem: «Não
consigo, não consigo e nunca hei-de conseguir.»
Crescemos
com esta mensagem que impusemos a nós mesmos e, por isso, nunca mais tentámos
libertar-nos da estaca.
Quando,
por vezes, sentimos as grilhetas e as abanamos, olhamos de relance para a
estaca e pensamos:
Não
consigo e nunca hei-de conseguir.
O Jorge
fez uma longa pausa. Depois, aproximou-se, sentou-se no chão à minha frente e
prosseguiu:
— É isto
que se passa contigo, Damião. Vives condicionado pela lembrança de um Damião
que já não existe, que não foi capaz.
A única
maneira de saberes se és capaz é tentando novamente, de corpo e alma… e com
toda a força do teu coração!”
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